
Muito já se foi discutido em relação à proposta da deputada federal Erika Hilton sobre a redução da jornada de trabalho, conhecida como PEC 6×1. Essa Proposta de Emenda à Constituição propõe uma mudança da jornada de trabalho no Brasil, de forma que o trabalhador passe a trabalhar quatro dias na semana e folgue três. A PEC propõe, ainda, uma redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, sem diminuição salarial.
Tem gente que concorda, tem gente que não concorda. Alguns levantam a bandeira de que todas as mudanças positivas para o trabalhador incomodaram os empresários, mas geraram ganhos para o país. Outros imaginam o quanto poderia haver de aumento dos preços, caso as empresas precisem contratar mais pessoas.
Enfim, para entendermos as possíveis consequências de uma mudança dessas, nada melhor do que olharmos para a história. Vamos, então, conhecer algumas mudanças na jornada de trabalho brasileira e suas consequências para a economia e para a população!
A libertação dos escravos
Na escola nós aprendemos que os escravos libertos tiveram muita dificuldade após a assinatura da Lei Áurea, uma vez que a maioria deles saiu da condição de escravo sem nenhum bem, nem emprego. Entretanto, com o fim do trabalho escravo, houve uma substituição gradativa para uma mão de obra livre e assalariada.
De forma imediata, sofremos a diminuição da produção agrícola em regiões que dependiam de mão de obra escravizada. De fato tivemos um aumento nos custos de produção, especialmente no setor agrícola, o que elevou os preços dos produtos.
No entanto, em busca de uma solução para o equilíbrio das contas, o país começa a estimular o uso de imigrantes europeus e japoneses em atividades agrícolas, promovendo modernização e diversificação do setor. A partir daí inicia-se um período de queda dos preços.
Inegavelmente a libertação dos escravos foi importante para o nosso país, mas não foi um processo fácil. Entretanto, vemos a libertação como um marco histórico para nossa sociedade e que, apesar da crise vinda em sequência, o país conseguiu se modernizar e ajustar sua economia.
A revolução industrial e a jornada 7X7
A próxima grande mudança da jornada de trabalho no Brasil iniciou com a revolução industrial, no início do século XX. Nesse período a indústria contratava trabalhadores em regimes de sete dias por semana, sem dias de folga, com jornadas de até 18 horas por dia.
Nesse período, o Brasil passou por um crescimento industrial. Entretanto, esse crescimento era sustentado por um trabalho intensivo e de baixo custo. As jornadas extensas e salários baixos limitaram o poder de compra dos trabalhadores, reduzindo a demanda por bens e serviços, mantendo, assim, a inflação moderada.
Foi um período de aumento da urbanização, consolidando centros urbanos – por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro – como polos industriais. Além disso, a revolução industrial marca o aumento das desigualdades sociais e precárias condições de trabalho.
Entretanto, adiantava ter uma inflação moderada, se o trabalhador não tinha nem tempo para gastar seu salário? Henry Ford vive nesse período uma situação parecida nos Estados Unidos e propõe a primeira mudança de jornada de trabalho que diminui a carga horária dos trabalhadores, dando-lhes tempo de descanso. Primeiramente, ele diminuiu o tempo de trabalho de seus empregados para oito horas por dia, e concedeu-lhes aumento salarial. Em seguida, ele criou a jornada de trabalho de 40 horas semanais.
A partir dessa nova jornada, Ford tinha como objetivo aumentar suas vendas de carros. Enquanto a mão de obra exercia sua profissão todos os dias, sem folgas e com pouco dinheiro, não havia muitos motivos para ela adquirir um carro. A ideia de Ford deu certo, suas vendas começaram a aumentar a partir do momento em que as pessoas tinham mais tempo para sair com a família e mais dinheiro para gastar. Nesse tempo livre, não só os trabalhadores utilizavam os carros para locomoção, mas também consumiam mais outros produtos.
A jornada de oito horas de trabalho foi contemplada pela constituição brasileira de 1934. Já essa nova visão de folga, com sistema 6X1, só é posta em prática no Brasil a partir de 1943, com a criação da CLT.
Mudança da jornada de trabalho: criação da CLT
A Consolidação das Leis do Trabalho se deu em 1943, durante o chamado Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas. Essa regulamentação incluiu a jornada de 8 horas diárias, férias remuneradas e descanso semanal como direito dos trabalhadores.
Contudo, os empregadores não gostaram nada da nova regulamentação: alguns setores econômicos apresentaram resistência na aplicação das leis e houve aumento dos custos para os empregadores. Com esse aumento de custos, as empresas repassaram parte desses custos ao consumidor, gerando inflação.
Porém, no longo prazo, pudemos observar benefícios no uso da CLT, sendo alguns deles:
- estímulo ao consumo interno;
- maior proteção e segurança financeira aos trabalhadores;
- redução da exploração de trabalho, inclusive de crianças;
- maior produtividade;
- maior estabilidade no mercado formal;
- intensificação da modernização das práticas de gestão empresarial, consolidando o Brasil como uma economia mais integrada ao mercado global.
Mudanças no trabalho entre 1990 e 2017
Na década de 1990 houve alguma flexibilização das leis trabalhistas, em especial:
- regulamentação sobre terceirização e contratos temporários;
- criação do banco de horas;
- negociações de jornadas de trabalho e convenções coletivas diretamente com os sindicatos;
- modernização de normas para novas tecnologias, pensando-se pela primeira vez no teletrabalho;
- flexibilização de benefícios obrigatórios.
Essas mudanças objetivaram principalmente a redução de encargos trabalhistas, afinal, era necessário permitir a competição dos produtos brasileiros no cenário global. De outro lado, elas impulsionaram o crescimento do número de empregos informais, uma vez que muitas delas afetavam a qualidade de vida dos trabalhadores.
Em relação à inflação, a maior competição internacional reduziu preços de bens importados. Além disso, a desregulamentação e o desemprego estrutural reduziram o poder aquisitivo de parte da população, limitando o consumo interno e minimizando a inflação de demanda. Lembrando que esta década foi marcada também pela introdução do Plano Real, gerando uma queda grande da inflação quando comparada à inflação das décadas anteriores.
A década de 1990 também foi marcada, em alguns setores, pela adoção da jornada de 40 horas semanais. Tal jornada foi inicialmente prevista pela constituição de 1988.
Novamente em 2017 assistimos à criação de alterações na CLT em busca de flexibilidade nos contratos. De novo com redução de custos para os empregados. Esse período é marcado por uma nova precarização do trabalho, com queda na renda média dos trabalhadores.
Com isso, tivemos uma queda na demanda por consumo, mantendo a inflação baixa, mas afetando o crescimento econômico.
Mudanças da jornada de trabalho após a pandemia
Desde 2020 vivemos em uma era da adoção acelerada do trabalho remoto devido à pandemia de COVID-19 e expansão de trabalhos relacionados à tecnologia e inovação. Enquanto o trabalho remoto permite a redução de gastos para as empresas, ele também exclui trabalhadores sem acesso à tecnologia.
Esse período estimula ainda a criação de startups e outras empresas da área de tecnologia. Nessas empresas é comum a adoção da jornada de 40 horas com uso da CLT ou contratação de pessoa jurídica.
É nítido que certas categorias, tais como empregados do comércio, indústria, serviços gerais, transporte e agricultura, são aqueles que mais permanecem trabalhando em jornadas 6×1. Ou seja, trabalham seis dias e folgam 1. E é pensando principalmente nessas pessoas que a deputada federal Erika Hilton redigiu a PEC solicitando a mudança da jornada de trabalho do brasileiro.
Vamos pensar sobre mudança da jornada de trabalho no Brasil
Utilizando a história para refletir sobre a mudança da jornada de trabalho no Brasil, veremos que hora ela beneficia o trabalhador, hora o empregador. Ela retrata as transformações econômicas, sociais e políticas do país desde a abolição da escravatura até os dias atuais.
Já a relação entre as mudanças no mercado de trabalho e a inflação no Brasil é complexa, pois envolve vários fatores. Como vimos, na década de 1990 tivemos uma queda na inflação. Porém, essa queda não se transformou em uma vantagem imediata para os trabalhadores. Toda mudança precisou de tempo para ser convertida em benefícios.
Desse mesmo modo, a adoção da PEC 6X1 pode trazer vantagens e desvantagens para o brasileiro. Se a princípio ela traz maior qualidade de vida ao trabalhador, ela tende a gerar um aumento da inflação, assim como ocorreu na libertação dos escravos e na criação da CLT.
Entretanto, grandes mudanças impulsionam crescimento e inovação. Assim como, na libertação dos escravos, os senhores de engenho passaram a contratar imigrantes e, com a CLT, o Brasil se modernizou para concorrer no mercado global.
Podemos afirmar, com certeza, que a roda da economia gira em ciclos. Se uma decisão do governo gera algum distúrbio na economia, no futuro o mercado se regula novamente. É fácil ver isso através do entendimento sobre como o governo controla a inflação através da Taxa Selic, e como a bolsa de valores se comporta com altas e baixas dessa taxa (ela tende a cair com a alta da Selic). Essas mudanças são a própria autorregulação do mercado.
Assim, conclui-se que a mudança da jornada de trabalho da PEC 6X1 trará desvantagens e vantagens para os brasileiros. Dentre elas, dificuldades econômicas e avanços que hoje nem podemos imaginar.
Vejo colegas professores que teem seu horário de trabalho de 22:30 h/sem. É raríssimo aquele que nao procura fazer o segundo turno e até o terceiro. O vigia noturno faz 12/36h, a noite, madorna um pouco e durante o dia acha uma capina, uma casa pra pintar, entre outros. E assim vai acontecer: diminui o horário de trabalho, o sujeito vai arrumar trabalho pra aumentar o salário. Só vai funcionar como descanso se houver muita fiscalização.